sábado, 30 de julho de 2011

Só por hoje

Só por hoje eu não me importei com a roupa que ia vestir; se era a mais nova ou a mais velha, se a blusa combinava com o casaco e com o sapato. Só por hoje saí sem querer ser encontrada, sem telefone, sem relógio ou nada que me trouxesse de volta pra realidade. Quis me colocar no modo invisível e não sair mais dele. Só por hoje não pensei pra onde eu estava indo, não me preocupei com onde pisava, não olhei para os dois lados antes de atravessar as ruas, fugi das faixas de pedestres e não olhei os sinais de trânsito. Passei por lugares perigosos sem pensar na minha mãe. Passei por lugares que me trazem boas e más lembranças. Me deparei olhando uma vitrine de brinquedos procurando pela inocência que eu costumava ter quando criança. Fiquei tempos olhando a minha antiga escola vendo se encontrava algum vestígio de quem eu tinha sido lá. Só por hoje tropecei quatro vezes e não olhei pra ver se alguém tinha visto. Só por hoje senti o cheiro de sanduíche e não senti vontade nenhuma de comer. Só por hoje não senti medo de pivetes que passavam por mim. Não senti pena de mendigos. Não fiquei triste ao ver que o rio da minha cidade está diminuindo cada vez mais, e não me importei com o mau cheiro dele. Só por hoje não olhei no rosto de quem passava por mim. Não senti vontade de bater em alguém quando vi um fusca azul. Fui a quase todas as praças que conheço e não senti vontade de sentar em nenhuma delas. Só por hoje a brisa vinda dos arredores do rio não me arrepiou. Vi um gatinho em uma árvore e nem pensei em tentar ajudá-lo. Vi um caminhão boiadeiro cheio de cavalos e um peão batendo a vara de ferrão neles e não quis chingá-lo. Só por hoje olhei para o Cristo e não senti que ele pudesse fazer algo por mim. Quis entrar em igrejas que não eram a minha pra ver se a crença deles poderia me salvar de quem eu me transformei. Magoei, chatiei, deixei triste, decepcionei as pessoas que mais amo. Só por hoje me odiei pelo resto da vida. Só por hoje perdi todo o meu orgulho. Só por hoje percebi que posso passar mal, ficar tonta, sem rumo, e sem saber como cheguei em casa sem uma gota sequer de álcool. Só por hoje olhei para o céu e não encontrei nenhum milagre ali. Não quis conversar com amigos, não quis abraçar ninguém. Percebi que a maior mentira está em dizer que só não se arrepende do que não se faz. Voltei depois de horas de caminhada, que eu nem sequer me lembro do caminho percorrido. Voltei quando percebi que não encontraria quem eu era em lugar nenhum, senão em mim mesma, escondido em algum lugar. Só por hoje voltei pra casa sem querer voltar. Voltei quando a voz na minha cabeça gritava mais alto que a música nos meus fones. Só por hoje voltei sem motivo pra voltar.

M.M.

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